As heurísticas são falhas no raciocínio lógico humano. Há imensas e são aplicáveis à liderança. Identificamos aqui algumas.
Vivemos num mundo cada vez mais globalizado e vertiginoso, numa época de constante mutação e evolução, em que quase não há tempo para pensar, quanto mais para ponderar ou para reflectir.
Para além disso, dizem-nos os ensinamentos com que as neurociências nos têm brindado nos últimos anos, as emoções dominam o processo de tomada de decisão, que na grande maioria das vezes é inconsciente e irracional – são as emoções que determinam grande parte dos nossos pensamentos e, por consequência, das nossas decisões. As emoções têm um papel muito importante e decisivo, mas nem sempre perceptível.
A este propósito, creio ser oportuno falarmos sobre as heurísticas, um grupo de falhas no raciocínio lógico humano, que se manifestam quando utilizamos aquilo a que se convencionou chamar “atalhos mentais” com o intuito de facilitar a tomada de decisões, ou seja, dito de outra forma, são procedimentos simplificados que utilizamos, muitas vezes inconsciente e irracionalmente, para nos ajudar a encontrar respostas fáceis, rápidas e sem esforço, para problemas difíceis, que envolvam incerteza ou risco – mesmo que essas respostas se revelem manifestamente imperfeitas.
As suas origens remontarão aos tempos primitivos e estarão ligadas a questões/instintos de sobrevivência e segurança – o sistema um do cérebro, o instintivo, “prevalecia” sobre o sistema dois, o racional. Não é por acaso, igualmente à luz dos contributos das neurociências, que se diz que o ser humano é, acima de tudo, uma criatura emocional que, algures no tempo, começou a aprender a pensar.
E fala-se em grupo porque a lista é realmente grande e diversa: da heurística da disponibilidade à do afecto, passando pela da representatividade, ou pela da ancoragem, há de facto imensas.
Socorro-me de quatro das principais, que elejo como das mais pertinentes pela ligação que farei de seguida, para suportar o que me traz a este tema:
Heurística da Representatividade.
Envolve tomar uma decisão comparando a situação presente com o padrão mental mais representativo. Quando temos informações limitadas sobre alguma questão, sobretudo aquelas que envolvem maior incerteza ou complexidade, tendemos a basear o nosso julgamento e decisão presente em situações e experiências passadas.
Desta forma, e em simultâneo, como alguém já definiu, “evitamos quer o cansaço da reflexão, quer a angústia da ignorância”. O grande problema é que este é um processo com tendência para uma certa automatização, levando-nos a construir a convicção de que certas situações podem ter maiores probabilidades de ocorrer pelas suas semelhanças com os tais momentos passados (por exemplo, pensar “sempre circulámos a mais de 120 km/hora na auto-estrada e nunca fomos multados nem tivemos acidentes, por isso podemos continuar a exceder esse limite…”).
Heurística da Disponibilidade. Tendência para utilizar e valorizar informações que nos vêm à mente de forma imediata, que são mais recentes, ou ainda que apresentam maior probabilidade, facilitando dessa forma a tomada de decisão. O meu exemplo preferido desta heurística é o da decisão entre uma viagem de avião ou uma viagem de automóvel. À boleia dos ensinamentos do professor António Damásio: «A maior parte das pessoas receia muito mais andar de avião do que de automóvel, não obstante o facto de um cálculo racional de risco demonstrar de forma inequívoca que somos muito mais capazes de sobreviver a um voo entre duas cidades do que a uma viagem de automóvel entre essas mesmas duas cidades. A diferença é de diversas ordens de grandeza a favor de se apanhar o avião em vez de se ir de carro.»
A questão é que, tal como o professor concluiu, a imagem de um acidente de avião, com todo o drama emocional que desencadeia, domina o panorama do nosso raciocínio e cria uma influência negativa em relação à escolha correcta. Acrescenta que «conhecer a relevância dos sentimentos nos processos da razão não quer dizer que a razão é menos importante do que os sentimentos, pelo contrário, ter em conta o papel impregnador dos sentimentos poderá dar-nos a oportunidade de realçarmos os seus efeitos positivos e reduzirmos os seus potenciais efeitos prejudiciais».
Heurística do Afecto. Grande parte das decisões que tomamos são norteadas pelo nosso estado de espírito. A base desta heurística é um sentimento (consciente ou inconsciente) que resulta da classificação de um estímulo (positiva ou negativa) consoante a apreciação que façamos desse estímulo (bom ou mau). As pessoas deixam que as suas simpatias, antipatias e afinidades pessoais determinem as suas crenças e acções. Conforme escrevi no início, e não esqueçamos, a maioria dos nossos pensamentos e decisões têm a sua origem e raiz nas emoções.
Os catálogos de moda, por exemplo, para melhor “entrarem” no público-alvo são construídos com modelos que estão sempre a sorrir, uma vez que os sorrisos estão associados a afectos positivos – associação que é “transferida” para as roupas.
Ainda neste domínio, quando acreditamos que ficamos mais bonitos ao vestir uma determinada cor, ou com um determinado estilo, essa crença “convence-nos” a comprar apenas, ou maioritariamente, essa cor ou esse estilo. Outro exemplo: se estivermos empenhados em seguir uma alimentação saudável, provavelmente os produtos que apresentem na sua embalagem palavras como “natural” ou “biológico” são mais facilmente escolhidos do que os restantes.
Heurística da Escassez. Algo que seja escasso ou menos disponível é, inerentemente, tido como mais valioso, ou, por outra, quanto menor a quantidade existente de algo, mais a queremos – produtos exclusivos ou limitados são mais cobiçados e/ou mais caros. As black friday’s são pródigas a despoletar não só esta heurística como a da ancoragem (tendência para nos “ancorarmos” apenas a uma característica ou parte da informação recebida – associação inconsciente e automática de uma reação interna a um estímulo exterior).
Heurísticas ou preconceitos, devemos evitá-los
Também na liderança este tema é importante, porque estas heurísticas, sem que muitas vezes nos apercebamos, estão claramente presentes. Quando alguém decide fazer algo de determinada maneira porque “sempre se fez assim”; quando alguém exclui ou ostraciza outra pessoa apenas e só porque essa pessoa já trabalhou, ou faz lembrar alguém com quem se teve uma má experiência ou relação (conotando-as, colocando-as no “mesmo saco”, sem a preocupação de conhecer quem é de facto aquela pessoa); ou precisamente o seu inverso, ou seja, escolher e “preferir” alguém porque nos recorda outrem, com quem a nossa experiência tenha sido bem sucedida (em ambos os casos independentemente de quaisquer outros critérios, como o seu currículo, experiência ou formação); quando se afunila o processo de recompensa tornando-o, pelo menos em termos de percepção, inatingível ou só ao alcance de alguns “escolhidos”; ou ainda quando se diabolizam as consequências do não cumprimento de um qualquer objectivo.
Situações como estas (há muitas mais) têm resquícios de todas as quatro heurísticas referidas acima.
Chamemos-lhes (também) as Heurísticas da Liderança. Mas ainda há outras. Eu apelido-as de heurísticas, mas admito que talvez sejam antes preconceitos, ou qualquer outra coisa que entendam mais conveniente chamar-lhes, no entanto, qualquer que seja o nome que lhes atribuamos, a discussão, não só merece como deve ser feita. Vejamos algumas:
– Os líderes são todos iguais. Acredito que a experiência da grande maioria de nós, lá está, rápida, fácil e tendencialmente leva a esta conclusão, mas, felizmente, esta não é uma realidade (benditos Cisnes Negros);
– É errado errar. A conotação negativa associada ao erro, e a quem erra, é de tal magnitude que se torna inevitavelmente dissuasora de alguém pensar sequer em fazer algo diferente, com medo de errar;
– Emoções out. Outro mito, e dos grandes… quem me conhece, quem já está familiarizado com os Cisnes Negros da Liderança, sabe bem porquê;
– Competência ou grau académico são sinónimo boa liderança (ou não fossemos o país dos doutores – Drs…– , onde parece que um qualquer canudo faz do seu detentor um catedrático em qualquer coisa que faça). No caso da competência, quantas vezes já assistimos à “dupla perda”, situações em que se perderam grandes técnicos sem se ganharem grandes líderes?;
– As pessoas movem-se (só) por dinheiro. O dinheiro é importante, ninguém pode dizer que não, mas para muitos de nós, que valorizamos outras “remunerações”, não é o mais importante. Mas mesmo para aqueles para quem o dinheiro é o mais importante – porque também os há –, quase nunca há dinheiro para as fazer “mover… O problema é que também não há o resto (não há valorização, nem reconhecimento, não há meritocracia no sentido concreto do termo);
– Meritocracia não existe. Mérito existe e, em muitos lados, em abundância, o premiá-lo ou valorizá-lo é que é raro ver-se adequadamente;
– Não se recompensa a excelência. A experiência mostra que o que habitualmente vemos acontecer é que a excelência se exige, mas, tal como o mérito, raramente se recompensa – muitas vezes porque existe o receio de que eles (mérito e excelência) acabem por se tornar uma ameaça a quem os devia premiar;
– Rotinas, repetição e zonas conforto são ideais. – outro preconceito. É fora das zonas de conforto que “as coisas acontecem”. Há quem defenda, e a meu ver bem, que é salutar e desejável, de quando em vez, desestabilizar equipas. O desequilíbrio é bom para as organizações. Situações de desequilíbrio desafiam as equipas, forçam-nas a melhorar, a organizarem-se, a dedicar-se e a ter melhor desempenho. As equipas devem ser geridas constantemente num estado de desequilíbrio. Esse equilíbrio atingir-se-á posteriormente, com as vitórias.
Sou um feroz defensor de lideranças emocionais, de que se tragam para a esfera dos relacionamentos organizacionais as emoções, os sentimentos e afectos, mas, até (também) por esta questão das heurísticas, têm de estar sempre acompanhados de agilidade e maturidade emocional. Temos de ser, heuristicamente falando, para além de emocionalmente inteligentes, inteligentemente emocionais!
Publicado na Human Resources, Junho 2023