Passado que está o Natal, uma época sempre especial, rapidamente entramos no novo ano, que coincide sempre, muitas vezes inconscientemente, com o renovar de motivação, com a definição de novas metas e objetivos, com uma espécie de reset e reposição do contador a zeros.
As primeiras semanas de cada novo conjunto de 365 dias normalmente traz consigo, no contexto organizacional, o período das avaliações. Faço desde já a minha declaração de interesses: sou contra os modelos habitualmente utilizados, e explicarei porquê. Costumo até chamar-lhes “Processos de Imposição”, em vez de “Processos de Avaliação”.
Justificar-me-ei à boleia do que pensam, por exemplo, Jacob Morgan ou Erin Meyer, que defendem que os processos de avaliação ditos tradicionais estão mal construídos e, por isso, não são eficazes. A minha visão vai muito ao encontro da deles.
Mal comparado, e aludindo de novo à época festiva em curso, fazem lembrar as resoluções de Ano Novo, mas ao contrário – estas, regra geral, em fevereiro já ninguém se lembra ou cumpre, enquanto que, com as avaliações, sucede o inverso, ou seja, em fevereiro é suposto todos se lembrarem do que se passou há 12, 11, 10 meses…
Jennifer Currence, CEO da WithIN Leadership, e Art Jackson, Presidente da Eagle’s Nest Performance Management, em referência ao modelo tradicional de avaliação (anual), referem que tende a promover favoritismo, inconsistência e a chamada tendência recente (os avaliadores julgam o desempenho mais recente dos colaboradores e aplicam-no ao ano inteiro).
Outro problema que identificam é que tende a aumentar o medo de confronto, o que acaba por resultar em evitação, passando a reinar um clima de medo e no qual as pessoas não falam. Não falam quando acontece alguma coisa, não falam quando precisam de ajuda, não falam quando têm um problema para resolver. A consequência natural acaba por ser que a necessidade de ajuda não é suprida e os problemas se mantêm, ou até se adensam, pois, ou não são resolvidos, ou existe tentativa de os resolver, mas por quem não devia ou não é o mais habilitado para o fazer. Isto é um dilema tremendo nas organizações. O silêncio vai aumentar quando deveria diminuir, enquanto a franca comunicação e a discussão de ideias, que deveriam ser estimuladas, são penitenciadas.
Aqueles 2 especialistas sugerem a troca do termo “Avaliação de desempenho anual” por “check-in” — a realizar, idealmente, com uma periodicidade mensal (no limite, trimestral). Recomendam que os tópicos a tratar nesses check-ins incluam mais do que apenas a mera e simples avaliação de desempenho — esse momento deve ser aproveitado para tentar criar maior conexão pessoal com os colaboradores, convidando-os a sugerir ideias, propor melhorias, partilhar boas práticas.
A opinião de Jacob Morgan é coincidente e reforça o que acaba de ser dito. Para este especialista em Organização e Cultura Empresarial e Futuro do Trabalho, as avaliações de desempenho em geral não são más, mas dão lugar a problemas se forem realizadas apenas uma vez por ano — sem qualquer pingo de acompanhamento durante o resto do ano.
Esse tipo de interação não é benéfico para ninguém. Não só terá um impacto negativo na moral, como é impossível dar um feedback assertivo, e que dele resultem coisas positivas, sobre algo que aconteceu há 6, 9 ou 12 meses.
Isto não significa que precisamos de nos livrar totalmente das avaliações de desempenho, por isso, em sua substituição, também defende os citados check-ins regulares – que ocorram mensal ou mesmo semanalmente. Desta forma, quando chega a hora da revisão de final de ano, os colaboradores não ficam surpresos com qualquer coisa que seja dita, porque o diálogo contínuo ao longo do ano serviu precisamente para ter todos os assuntos sempre ativos e para estar constantemente a par da sua “posição” a cada momento.
Vejamos um outro prisma. Sabiam, por exemplo, que um gigante como a Netflix não tem KPI’s, nem mede estas métricas — não mede metas, nem o sucesso (embora o premeie) — e até os considera horríveis para a flexibilidade organizacional?
Segundo Erin Meyer, coautora do livro “No rules rules” com o próprio CEO da Netflix, Reed Hastings, a «definição de um KPI anual obriga os colaboradores a continuar numa determinada direção em vez de a mudar em função do ambiente e contexto em seu redor» — que, nos tempos que correm, em que a mudança, a evolução e a inovação estão em frequente mutação, vão também eles sendo amiudadamente diferentes. Na Netflix valorizam-se as pessoas e não os processos, enfatiza-se a inovação sobre a eficiência e dá-se contexto aos colaboradores – em vez de controlos. Não há políticas de férias ou de despesas. O desempenho adequado recebe compensação generosa, e o trabalho árduo é irrelevante. Está implementada uma cultura focada na liberdade e na responsabilidade. O feedback é uma constante – líderes incentivam e são receptivos aos feedbacks e todos são treinados para dar e receber feedbacks.
Daqui resulta a conclusão de que cristalizar uma direção durante um período de tempo relativamente extenso é prejudicial, na medida em que demove reações e ajustes de rumo imediatos, de acordo com aquilo que a envolvente vai solicitando a cada momento, impedindo a melhor, mais rápida e adequada resposta aos acontecimentos.
É pelo exposto, mas não só, que também considero que os processos tradicionais se encontram mal construídos. Generally speaking, mal construídos porque avaliam em janeiro/fevereiro o que (também) aconteceu em janeiro/fevereiro passado – é uma diferença temporal muito grande para ser objetiva e assertiva. Mal construídos porque regra geral o avaliado não tem oportunidade de rebater, ou, se até tem, é como se não tivesse – nada muda e de nada vale o que argumente. Mal construídos porque se focam, e persistem no passado, tantas e tantas vezes sem quaisquer olhos no futuro.
Mas, mesmo este repisar do passado é muito fraco e pobre – centra-se sobretudo no que correu mal, e quantas vezes serve de muleta apenas para mais um momento de manifestação de pequenos poderes. Feedback construtivo, ou, mais importante, feedforward, o foco no futuro, no que podemos, devemos e conseguimos fazer melhor, nada…
Não nos conhecêssemos e ficávamos a pensar que durante 12 meses só fizemos asneira – é o que fica mais retido na cabeça do avaliador. A crítica, a repreensão, o moralismo, saem que nem foguetes na escorreita e despudorada argumentação. Agradecimento, reconhecimento ou conforto pelo que correu bem, não existe, fica propositadamente esquecido nas calendas da memória. Um momento órfão de empatia, de cuidado, de comunicação na verdadeira aceção da palavra. Parece que tudo foi mau, tudo correu de forma desastrosa, não há nada positivo a relevar – o que seria e como seria se os objetivos não fossem cumpridos (porque, regra geral, apesar de tanta negatividade, pasme-se, eles são sempre atingidos!).
E porque é que os apelido de Imposição e não Avaliação?
Simples. Para além do que acabei de dizer, mais de conteúdo, há a questão da “forma”. Generally speaking, o processo começa com a nossa autoavaliação – e bem, afinal somos quem melhor nos conhece, e o que fizemos. Segue-se a avaliação por parte de quem connosco trabalha diariamente, que sabe (ou devia saber) o que somos, o que fazemos, o que valemos – quem melhor nos deve(ia) conhecer a seguir a nós mesmos.
Até aqui tudo bem, o problema começa a partir deste momento. Mais 1, 2 ou até 3 níveis hierárquicos a intervir. Pessoas que nem sequer sabem quem somos – ou o que fazemos e o que valemos. Pessoas que apesar disso, e por circunstâncias ou vicissitudes diversas, também não têm grande interesse e não querem saber quem somos, o que fazemos e o que valemos, e por isso não vão ler a nossa autoavaliação nem a avaliação do nosso responsável direto. Pessoas que já sabem, porque já foi decidido (às vezes por elas mesmas), que aquele departamento, aquela equipa, no limite aquela pessoa, não tem direito, mesmo que merecido, a promoções, reconhecimentos ou valorizações.
Certo é que a avaliação no máximo só pode ser X – mesmo que o relatório que lhes chega às mãos seja bem superior. Metem-se quotas, há métricas, há limites, há um sem número de coisas… o que se segue? A avaliação vem por ali abaixo, fazendo o percurso inverso, com a indicação da nota máxima que nele deve constar, pelo que, é o passo seguinte, toca a “martelar” parâmetros até que seja tudo coincidente.
Perante isto não encontro um nome mais adequado para uma situação desta natureza do que a dita Imposição – somos “avaliados” por quem não nos conhece, ou, em toda a cadeia hierárquica, é quem pior nos conhece. Deixa de ser a questão do anual, mensal ou semanal, passa a ser o conhecerem-nos ou não. Trabalhar um ano inteiro para o final ser assim é, pelo menos, deprimente…
Mais uma vez um enorme fosso entre a teoria e a prática (à sua escala, outro cisne negro) …
Como vão as organizações saber quem são os seus melhores recursos, se não for pelo relatório que os nossos líderes mais diretos (os que estão connosco todos os dias, com quem partilhamos o nosso quotidiano) fazem sobre nós e submetem superiormente? É por isso que depois nunca se acerta nas escolhas, se passa a vida a lamentar erros de casting e se geram os inevitáveis desmotivação e inconformismo nas equipas. Piora quando, acompanhado de uma palmadinha nas costas, nos presenteiam com aquele discurso de «bom trabalho, continua que a tua oportunidade há de chegar», «estás cada vez mais perto», «o próximo és tu», «estás sinalizado». No mínimo, incoerente, além de revoltante.
“Meritoquê”? É mesmo o mérito que premiamos? E o que são, exatamente, resultados? Como se medem? Quem mede? Por que razão, tantas e tantas vezes, quem os atinge não é quem é premiado? Premiamos a excelência ou sempre há jobs for the boys? Porque é que nada se faz para corrigir isto? Alguém pensa nos impactos advindos destas situações na motivação, no engagement, na “employer experience”, na cultura organizacional? Avaliação ou Imposição?
Mais uma moedinha, mais uma voltinha….
Publicado na RHMagazine, janeiro 2023