Uma espécie de fábula na Liderança

Este é provavelmente o texto mais informal e “descontraído” que já escrevi. É um texto que, desta vez a brincar, fala de coisas sérias. A ideia não é melindrar ninguém, nem fazer com que alguém se possa sentir ofendido, é simplesmente responder a um desafio que me foi lançado e que acabei por aceitar por ter percebido, quando comecei a idealizá-lo, que era possível construir esta fábula…

No passado dia 5 de Setembro, em plena Feira do Livro de Lisboa, foi apresentado o meu novo livro, “Cisnes Negros da Liderança”. Para quem não sabe (explico tudo no livro!), e resumidamente, a origem dos Cisnes Negros estará relacionada com a descoberta, por navegadores dos mares da Austrália, ainda no século XVIII, de uma raça de cisnes de cor escura, nunca vista até então (já tinham sido encontrados milhões e milhões de espécimes, mas sempre todos brancos – são também os primórdios da Teoria da Falseabilidade de K. Popper).

Mais tarde, Taleb aproveita a terminologia e postula as três principais características que definem eventos Cisnes Negros: são raros/improváveis, têm um impacto brutal e, por último, depois de acontecerem rapidamente a “comunidade” consegue vir justificá-los de forma tão banal que quase parece cair por terra a premissa da imprevisibilidade.

Adaptando à liderança, os Cisnes Negros, são líderes emocionais – os “meus” “leadermotionalists”! Negros porque provam que nem todos os líderes são iguais (brancos). São aqueles líderes que conseguem ser simultaneamente emocionalmente inteligentes e inteligentemente emocionais, que sabem comunicar (não é só falar), humildes, empáticos, equilibram, como ninguém, cérebro e coração, razão e emoção. Conseguem, não tratando ninguém de forma diferente, não tratar todos de forma igual. Valorizam. Elogiam. Preocupam-se, genuinamente. São humanos!

São ode à diferença – porque resultados diferentes exigem comportamentos diferentes (acabemos com o estigma associado à diferença). São excepção – quando deveriam ser a regra. Todos os queremos ter, poucos temos a sorte de os encontrar. São raros, mas existem, e onde existem marcam enorme diferença (lá está, probabilidade e impacto inversamente proporcionais).

Por que são raros?

  • Qual a última vez em que foi elogiado ou o seu trabalho valorizado? Aposto que criticado não foi assim há tanto tempo…
  • Qual a última vez em que a sua chefia manifestou genuína preocupação consigo – percebeu alteração de estados humor, percepcionou que não estava bem, que algo “extra” se passava?
  • Qual a última vez que se sentiu a aprender, progredir e/ou evoluir na sua função e/ou carreira?
  • Quantas vezes já lutou por si? O defendeu? Ofereceu ajuda e mostrou disponibilidade?

Pois…. É tão difícil ver não se fazer o simples….

Muito correlacionada, e fazendo deste o animal “mais parecido” com os Cisnes Negros, está a Teoria do Rei Dragão, que é uma metáfora para eventos que são também enormes no seu tamanho/impacto e cujas origens, comparativamente a outros eventos do mesmo sistema, são únicas. Avança a hipótese de que muitas crises são Reis Dragão em vez de Cisnes Negros – ou seja, podem ser, até certo ponto, previsíveis.

Já muitas vezes ouvi, também já o disse, e senti, que as organizações, a liderança, podem ser uma selva. Dito isto, e sendo o precursor desta Teoria Cisnes Negros – animais que podiam fazer parte deste ecossistema, mas que, precisamente por nele pouco se verem, a tornam uma selva no mau sentido da palavra! –, em jeito de resposta ao tal repto que me foi lançado pensei que seria interessante tentar encontrar outros animais nesta selva, que corroborassem a afirmação.

Dá quase para construir uma espécie de fábula (composição literária em que as personagens são animais com características humanas, e que tenta fazer uma analogia entre as histórias vivenciadas por essas personagens e o quotidiano humano), pois as analogias com os tipos de liderança são quase infinitas. E é deveras engraçado ver que, afinal, e de facto, esta é mesmo uma selva repleta de animais…

Comecemos pelos galináceos (agrupemos assim)… Quem nunca de nós encontrou:

  • pavões – narcisistas que só se preocupam e sabem falar de si;
  • papagaios – imitadores, reactivos, monótonos;
  • galos – passam a vida precisamente a cantar de galo, mas regra geral, cantigas cujo mérito é de outrem, porque fazer o que lhes compete esquecem-se;
  • avestruzes – perante problemas, e porque o que menos querem e gostam é tomar decisões, escondem-se e deixam acontecer;
  • pardalitos ou patinhos – estão por ali mas ninguém sabe porquê, ou como é que lá chegaram, completamente desajustados e desorientados;
  • abutres – não importa como, nem porquê, vale tudo).

Depois, por exemplo, há:

  • melgas – a sua vida é a chatear, a pressionar, a condicionar;
  • baratas – tão maus que nem uma catástrofe nuclear os fazia desaparecer;
  • touros – passam a vida a bater em tudo o que lhes aparece à frente, no matter what – e é essa a sua forma de lidar com os outros e com tudo, no fundo;
  • camaleões – nunca sabemos o que esperar deles, como estão, o que estão a pensar, como vão reagir;
  • carapaus – de corrida – há muitos;
  • polvos – querem controlar e dominar tudo, mesmo o que não lhes diz respeito ou faz parte da sua gestão;
  • dinossauros – ficaram lá atrás no tempo – comportamentos e atitudes, sobretudo;
  • pirilampos – acham-se os únicos com luz e/ou que só a sua luz ilumina). Há poucas formigas e muitas cigarras.

Por fim aqueles mais perigosos, que nem preciso de comentar: há autênticos vermes, camelos e cobras venenosas e/ou cuspideiras a liderar por aí…

Continua premente, para mim, a dogmática questão sobre quem ganharia o desafio, quem imporia maior respeito, um exército de ovelhas liderado por um leão ou exército de leões liderado por uma ovelha?

O elefante está no meio da sala e todos estes animais no meio da selva (leia-se, nas nossas organizações), cabe-nos a missão de os tirar de lá!

Publicado na revista Human Resources Portugal, Novembro 2022