A pandemia veio alterar a forma como trabalhamos, mas, na realidade, não fez mais do que acelerar e antecipar um futuro inevitável. A grande interrogação é: será que o comportamento dos líderes mudou assim tanto?
O mundo, cada vez mais VUCA, mudou novamente. Milhões de pessoas, de um momento para o outro, viram as suas rotinas viradas do avesso. Em casa, com as famílias e amigos, ou no trabalho, com colegas, clientes e fornecedores, tudo é diferente hoje. Sê-lo-á daqui em diante, e isso obrigar-nos-á, desde já, a um complexo processo de mudança, e a adaptarmo-nos a toda esta nova conjuntura e enquadramento.
A pandemia veio alterar a forma como trabalhamos, a forma como está organizado o trabalho dentro das organizações, e, arrisco-me a dizê-lo, a lançou desde já as bases daquilo que será o trabalho no futuro. Mas veio apenas antecipar algo que, em consciência, tínhamos de considerar como certo – tão inevitável quanto inadiável. Assim, vimo-nos apenas “obrigados” a antecipar e acelerar o futuro – iríamos ter, mais cedo ou mais tarde, de acomodar algumas destas alterações, com a digitalização crescente, a massificação online ou o trabalho flexível.
A liderança, por consequência, também terá de mudar. Recorrendo à reflexão de Nassim Nicholas Taleb no seu livro “Antifrágil”, e aplicando-o ao actual contexto, a pandemia veio trazer a tal instabilidade e a tal volatilidade que é necessária à nossa antifragilidade – tornamo-nos resilientes na ausência de previsibilidade e, com isso, crescemos e consolidamo-nos.
Há um antes e um pós-pandemia, e a grande interrogação é se, com ela, se alteraram assim tanto os comportamentos de alguns dos nossos líderes. É curioso constatar que, até agora, muitas vezes os líderes, estando presentes, “não estavam” – pois, apesar da sua presença física, estavam completamente ausentes. Mudou alguma coisa com a pandemia, ou esta ausência apenas mudou de cenário e de enquadramento? Para quem, escondendo-se por detrás de emails, impondo-se via Zoom, Teams ou afins, continuou, ou até se acentuou, a falta de comunicação, de apoio e de acompanhamento, para esses, a pandemia acabou até por vir a revelar-se um aliado, infelizmente.
A situação pandémica que vivemos actualmente veio recentrar e retomar no discurso organizacional, mas não só, as questões da (boa) liderança. Nunca como nos tempos que correm a liderança e a forma como é exercida, e sobretudo como é percepcionada, estiveram tão debaixo dos holofotes e sob escrutínio generalizado.
As equipas, de uma forma generalizada, sentiram o impacto de todas as, não só repentinas como abruptas, alterações que as organizações se viram obrigadas a implementar. Muitas souberam fazê-lo com mestria, de tal forma que até prevêem poder mantê-las no pós-COVID. Outras – e essas são as mais preocupantes neste momento –, se já não estavam bem antes da COVID-19, neste momento encontram-se sem norte.
Centremo-nos especialmente nessas equipas, provavelmente lideradas por pessoas para quem liderar é impor, dar ordens, pessoas focadas apenas no resultado final e não no caminho para lá chegar, nem em quem tem de o alcançar. Pessoas que, atingido esse resultado final, recolherão para si, de forma completamente egoísta e sem qualquer despudor, os méritos dessa conquista, ao passo que, se porventura as coisas correrem mal, e o resultado final não for atingido, sabem bem quem culpabilizar e ostracizar. Essa liderança tem, de uma vez por todas, acabar. Maior foco nas pessoas em vez de nas tarefas é (grande) parte da solução para este que é ainda um dos problemas da liderança.
A importância da comunicação
As organizações são equipas, formam famílias, são pessoas de carne e osso, com sentimentos e emoções – boas e más. A liderança é um assunto totalmente humano: é de pessoas para as pessoas. É comunicação – cujo papel é cada vez mais fulcral e importa aprofundar.
Comunicação são palavras e acções (acções também transmitem mensagem), e só se torna eficiente quando o receptor for capaz de entender, de forma precisa, a mensagem que o emissor pretendeu passar. Se palavras e acções não forem coerentes, a comunicação torna-se ineficaz. Seguiremos alguém em cuja palavra não confiemos? Ou em cujas atitudes não nos revejamos? Qualquer de nós que se sinta valorizado, por um líder que saiba comunicar, que seja um exemplo, com quem nos identifiquemos, que nos motive e que se preocupe connosco de forma genuína, que nos faça sentir, ainda que dentro de um grupo, não apenas mais um – não é tratar ninguém de forma diferente, mas também não é tratar todos por igual – fará sempre mais do que aquilo que de si é esperado.
Jim Goodnight, CEO do SAS, com propriedade afirma que se tratarmos os nossos colaboradores como se eles fizessem a diferença, eles fá-la-ão. Já Dale Carnegie referia que quando as pessoas não são felizes naquilo que têm para fazer, raramente são bem-sucedidas. Por isso, liderança tem cada vez mais a ver com comunicação, com emoções e relações, com formas de ser, estar e sentir, interrelacionadas. Se não se respeitarem, e se não forem inclusivamente experimentadas pela outra parte (“put on someone else’s shoes”), a probabilidade de fracasso é incomensuravelmente maior. E talvez haja ainda quem não tenha percebido que isto tem um impacto tremendo nas organizações.
Existem duas técnicas de Comunicação que podem revelar-se fulcrais em qualquer conjuntura, mas são de sobremaneira decisivas na actual:
Mirroring ou sincronia límbica
Trata-se de um comportamento social, geralmente exibido inconscientemente, em que uma pessoa imita ou “espelha” o comportamento de outra. A ideia subjacente é a de que, adoptando a linguagem corporal e as posturas do outro, obtemos uma visão mais profunda da sua perspectiva ou experiência, porque quando as pessoas se interessam umas pelas outras tendem a imitar-se (disposição implícita de cooperação mútua) – embora o mirroring envolva responder à linguagem corporal de outra pessoa e não imitá-la.
O mirroring pressupõe um líder auto-consciente (self-awareness) – quanto melhor nos conhecermos, melhor podemos dar-nos a conhecer aos outros e, desse modo, funcionar como o tal espelho impulsionador de atitudes e comportamentos que pretendemos instituir.
Líderes “mirror” entendem melhor as acções e intenções dos outros, o que lhes permite criar maior empatia, injectando a dose de confiança e apoio de que os seus liderados necessitam e, com isso, “ganhar” o local de trabalho. Os líderes podem e devem utilizar essa empatia criada para exprimir gestos e emoções que sinalizem que levam em consideração os sentimentos e pensamentos de quem os rodeia. Essa tornar-se-á uma marca indelével da sua liderança.
O especialista em linguagem corpral Allan Pease diz que os humanos formam as suas opiniões sobre a disponibilidade e adequação dos outros em menos de quatro minutos, através da detecção de pistas subtis, inconscientes e não verbais. Os líderes “mirror” sabem então que a sua influência é reflexiva – quem são e como se comportam é reflectido em toda a organização, alavancando o sistema de interconexão cerebral.
Segundo algumas pesquisas, em média, os grandes líderes provocam risos nos seus liderados três vezes mais frequentemente do que outros líderes – e sabe-se como o bom humor ajuda à mais eficaz captação de informação e uma mais ágil e criativa capacidade de resposta. Também no feedback, mas sobretudo no feedforward, esta técnica pode revestir-se de uma decisividade absolutamente impactante. O momento actual é uma óptima oportunidade para mirroring, na medida em que é um momento em que os colaboradores estão emocionalmente mais vulneráveis (medo, insegurança, frustração). É decisivo falar-lhes sobre essas vulnerabilidades, usando a sua própria linguagem pois, ao fazê-lo, conduzimo-los para um estado de espírito mais límpido, positivo e desanuviado. Outra atitude que não esta, acredite-se ou não, levará a ainda mais stress, medo e insegurança – por não sentirem a tal conectividade com o líder.
Pacing
Num enquadramento de trabalho remoto (comunicação via telefone ou e-mail), não existe, como no mirroring, a questão das expressões faciais ou corporais. É então fundamental estabelecer uma comunicação que convirja nos pontos de vista. É o pacing que pode fazer isso, porque no pacing basicamente o que acontece é que “espelhamos” o ritmo e o estilo de comunicação da outra pessoa com a nossa voz, tendo em vista atender às suas necessidades – se está a falar depressa, nós também falamos depressa, se a conversa está num tom mais descontraído, nós enveredamos também por esse estilo, etc.
Esta é igualmente uma técnica que ajuda a criar maior empatia e confiança, e sinaliza, ao liderado, que o líder é “igual” a si. O ritmo da comunicação verbal influencia fortemente a profundidade do relacionamento. Tendemos a gostar de outros que são como nós, o que aumenta a chamada influência recíproca.
O futuro da liderança exigirá que testemos, aprendamos e desenvolvamos a nossa inteligência emocional. Saber reconhecer, gerir e utilizar as nossas emoções, mas também as emoções de todos quantos no rodeiam, é fulcral. Mas porque não basta ter inteligência emocional, é preciso saber “utilizá-la”. Devemos igualmente potenciar a nossa agilidade emocional – incluindo esta questão da comunicação. Mudando o presente, vamos tomar conta do futuro.
Publicado na revista Human Resources Portugal, Dezembro 2020