A Rainha Isabel II é talvez um dos casos de maior consenso e unanimidade em toda a História da Humanidade. Não era perfeita, mas isso nenhum líder é, contudo, tinha, de raiz, de personalidade, um conjunto de características que a eternizarão enquanto líder.
Com 25 anos de idade, corria o ano de 1952, uma época ainda difícil para as mulheres (ainda mais em cargos de Liderança), sem contar e sem que estivesse preparada, caiu-lhe o poder no colo – não fez nada para o “conquistar” (vicissitudes do seu enquadramento). Mas, não é menos verdade que, apesar disso, soube aprender, evoluir e impor-se como uma das maiores figuras mundiais, e um exemplo de Liderança.
Desde logo porque não foi por ter coroa, ou pela coroa, não foi por ter o cargo mais mediático e exposto do mundo que se impôs. É um exemplo de que se pode e consegue ter, e exercer, o poder sem imposição – sim, é possível (e desejável). Este é desde logo um enorme exemplo a seguir por todos quantos ocupam cargos de Liderança. Imponham-se pelo vosso carácter e personalidade, que vos garantirão mais seguidores, e mais fiéis, disponíveis para ir convosco a qualquer luta. As empresas são as pessoas, são humanos, são emoções embrulhadas num corpo de carne e osso. Temos de as servir, e entenda-se servir como proporcionar-lhes as condições para prosperarem profissionalmente, disponibilizar-lhes todas as condições e ferramentas para que sejam felizes profissionalmente. Fazer o que se gosta, como se gosta, porque se gosta, é o main goal de qualquer colaborador. Isso, seguramente, vai refletir-se e impactar também na égide pessoal, iniciando assim um desejável ciclo vicioso – estar bem num lado potencia o estar bem no outro, e assim sucessivamente. Se pessoalmente vivemos diariamente em busca da maior Felicidade, de nos rodearmos de quem gostamos e nos faz feliz, de harmonia familiar e de saúde, por que razão, profissionalmente, haveria de ser diferente? É assim tão difícil perceber? Liderar pelo medo, infelizmente, ainda existe, mas vaticino-lhe um fim trágico, rápido e para muito em breve. A Liderança, por ser de e para pessoas, tem de passar por cada vez maior humanização, e tem de definitivamente “deixar entrar” as emoções.
Mas a Rainha tinha outras características e deixou-nos outras lições, das quais destacaria, como principais:
- Calma e Coragem – foi sempre perceptível uma calma atípica, e tantas vezes uma coragem ímpar, perante situações de caos, perante todos os problemas com que teve de lidar, perante adversidades diversas, e de natureza díspar. O conselho ancião é não tomar decisões a quente, por impulso ou reactivas, e ela consegui-o com mestria, sempre muito ponderada e equilibrada. Não ter medo de tomar decisões (que lamentavelmente é uma das principais lacunas da Liderança actual) e quando se tomam fazê-lo com calma, ponderadamente, de forma pensada e trabalhada, é algo que poucos líderes se têm revelado capazes de fazer.
- Adaptabilidade – trabalhou com 15 primeiros-ministros, cada um com a sua personalidade, as suas virtudes e defeitos, a sua forma de trabalhar. E algumas dessas figuras, sabe-se hoje, eram vincadamente ímpares e especiais, tendo também elas conquistado um lugar de destaque na História, e até na Liderança (falo em concreto de Churchill e Thatcher). É necessária uma grande dose de Inteligência Emocional, mas também imensa Agilidade e Plasticidade Emocionais para conseguir, sempre com sucesso, adaptar-se e conciliar-se com tantas e tão diferentes personalidades. É isso que se pede a um líder.
- Ligação às pessoas (amor pelo seu povo) – basta ver como as pessoas gostavam dela e ainda a veneram. Sempre pareceu seguir um pouco a máxima “aja não para que a sua presença seja notada, mas para que a sua ausência seja sentida”. Mesmo dentro das limitações e restrições inerentes a um cargo desta natureza, tentou sempre ser acessível, entregar o seu carinho e retribuir o que recebia. Tentou aproximar a Corte do Povo, torná-la mais visível e acessível – afinal era para o Povo que “governava”. Esta ligação, na Liderança, é o factor mais decisivo de todos. As pessoas querem, e precisam, de se sentir integradas, respeitadas e valorizadas. Precisam de atenção, de preocupação, de cuidado, sinceros e genuínos – e se isso é válido para a esfera pessoal, é-o cada vez mais na égide profissional.
- Sentido de propósito e Compromisso – alguém a descreveu como “determinada o tempo todo” e, mais importante, “ama o dever e os meios para ser rainha”. Gostar do que se faz, independentemente do que seja, é meio caminho andado para o fazer bem. Gostar do que se faz leva o astral, a confiança e a motivação para níveis positivos, e esses níveis, para além de degenerarem na obtenção de melhores resultados, são contagiosos, trespassando para as equipas. Se um líder não gosta do que faz….
- Conhecimento/Capacidade e disponibilidade aprendizagem – os seus mais próximos, mas não só – é uma imagem que generalizadamente deixou -, descrevem a Rainha como alguém que estava, ou parecia estar, sempre melhor informada do que qualquer outro burocrata ou político. O nível de preparação e o elevado conhecimento sobre aquilo que é o seu core, permite ao líder granjear mais e maior respeito junto das suas equipas, torna-o confiável, transmite segurança e mobiliza.
- Inovação – soube inovar e modernizar a Monarquia – tanto no discurso como na postura e nas atitudes (o melhor exemplo é a sua indumentária, com a adopção dos seus famosos chapéus e a utilização de cores fortes e sólidas). Não teve medo de correr esse risco, de quebrar o status quo, de ser, à sua medida, disruptiva – seguramente seria mais fácil, e até confortável, manter a rigidez e a imutabilidade dos protocolos, do historicamente estabelecido, da imagem.
Para se distinguirem dos demais, líderes e organizações têm de procurar ser fora da caixa, têm de arriscar, ser e fazer diferente. Criar uma marca. Criar uma identidade própria. Destoar dos demais, deixando de ser como eles, deixando de ser mais do mesmo ou apenas mais um…
- Capacidade trabalho (e isto mesmo não tendo um cargo executivo) – ninguém diria, pois à partida a ideia (preconcebida) que se tem sobre um Rei é a de que tem tudo feito e não precisa de se preocupar com nada. O melhor exemplo deixado pela Rainha é recordarmos até quão tarde trabalhou, pois é público que 2 dias antes de falecer ainda empossou e se reuniu com a recentemente eleita primeira-ministra, Liz Truss (a 15ª do seu reinado). O pior que pode acontecer a um líder é exigir aos seus o máximo e ele próprio andar em mínimos – é ser um Rei, mas o da ideia preconcebida. Líder não deve apenas pedir que se faça, deve mostrar como se faz, participar na execução – criando, desse modo, de forma involuntária, laços que mais tarde se revelarão mais dificilmente quebráveis (evitando o tão célebre desânimo por se andar a trabalhar pelo, e para o que menos faz, que só sabe pedir – e que ainda por cima, no final, é quem vai recolher os louros e méritos do que foi feito).
- Inspiração e Influência – ninguém segue ou idolatra alguém a quem não se reconheça carácter e personalidade. De uma ponta à outra do globo, praticamente todos nutriam por ela um carinho e admiração especiais. E isso acontecia de forma natural, ou seja, ela nada fazia para que fosse essa a reacção – simplesmente se limitava a ser ela própria. A Rainha era um pouco como uma avó para todos nós (na lógica do exemplo, da inspiração, do respeito e da ternura que associamos à figura das avós). Em minha opinião é também isto que se deve pedir a um líder, que seja ele próprio, com todas as suas valências, mas também com todas as suas imperfeições, os seus defeitos e os seus erros. Sem máscaras. Isso é ser humano, e isso inspira e influencia mais do que qualquer outra estratégia.
Só a queria ter visto a mostrar mais as suas emoções, a sua humanidade – embora a maioria dos relatos indiquem que até era muito afectuosa, muito preocupada, muito protectora (mas convenhamos, o cargo que ocupava não era propriamente um cargo que permitisse essa demonstração).
Perdeu-se uma gigantesca referência. Agora já sem Queen, oxalá que God save the Leadership!
“Não conheço nenhuma fórmula única para o sucesso. Mas, ao longo dos anos, tenho observado que alguns atributos de liderança são universais e são muitas vezes sobre encontrar maneiras de encorajar as pessoas a conjugarem os seus esforços, talentos, ideias, entusiasmo e inspiração para trabalharem juntas.” – Isabel II.
Publicado na revista Executiva, Outubro 2022