Nas organizações, continuamos a acumular dívidas, que começam no básico e chegam ao essencial. Faltam-nos muitas coisas, sobretudo na liderança.
Muito tenho escrito e falado, nos últimos tempos, sobre o básico. Sobre coisas básicas. Lamento-me sempre de ter de o estar a fazer, e dou por mim bastas vezes a pensar que desse lado muitos de vós estarão a pensar “mas isso é básico”. No entanto, e esta é que é a realidade, chego sempre à mesma conclusão – a de que (ainda) é mesmo necessário (continuar a) fazê-lo.
Se repararem, e existe aqui muito de cultural, debatemos sobre tudo e mais alguma coisa, mas fazemo-lo quase sempre numa lógica estratosférica, atiramo-nos logo para fora de pé, um extenso cardápio de ideias inovadoras e disruptivas, quando ainda nem sequer sabemos – e ainda nem sequer fazemos – o básico. É como se quiséssemos avançar no jogo sem passar pela casa de partida.
No caso concreto da liderança, imaginamos logo modelos fora da caixa, soluções milagrosas, antecipamos de imediato mil e um retornos fantásticos… Mas, lá está, esquecemo-nos de dar o primeiro passo. Esquecemo-nos do básico. Esquecemo-nos do bom dia, do precisas de ajuda, do obrigado, do bom trabalho, do continua, do acredito em ti, do parabéns…
Esta, e já vão perceber onde quero chegar e o que pretendo dizer, é uma enorme dívida que temos. Isto entronca numa outra questão, a que também muito me tenho dedicado ultimamente – e novamente, sobretudo no caso concreto da liderança: os temas não discutidos, os temas pouco discutidos e os temas mal discutidos. Quando se fala em liderança, e continua a falar-se muito, na minha óptica ou não se fala do que se deve falar, ou fala-se pouco, ou fala-se mal (mal, aqui, no sentido da priorização e do foco da discussão).
As pessoas, o centro nevrálgico das organizações, bem como as relações organizacionais, são um exemplo paradigmático disto mesmo. Fala-se muito de e sobre pessoas, mas muito pouco para ou com as pessoas. Fala-se muito de e sobre pessoas, mas a verdade é que os seus “reais problemas” continuam por discutir – e resolver (precisamente porque não se discutem, ou discutem pouco, ou discutem mal). Esta é uma segunda dívida, e que ainda por cima, ao contrário do que seria desejável, continua a acumular-se e a crescer.
Nesta ordem de ideias, acrescento outro ponto deveras relevante, mais um a que também me tenho referido com bastante frequência. Numa época em que a aposta é grande, e cada vez maior, naquilo a que chamo “humanização dos robôs”, não paramos para pensar – e nem nos apercebemos – que aquilo que, para já, estamos a conseguir é a, também grande e também cada vez maior, “robotização dos humanos”.
Não parece um contra-senso, e, sobretudo, contraproducente? Cá está o tal lirismo, o tal platonismo, o tal passo maior do que a perna, mas tudo sempre sem acautelar, antes de qualquer outra coisa, o básico. E o básico aqui é cuidar primeiro das pessoas, colocá-las no centro, chamá-las à participação, , envolvê-las, ouvi-las, motivá-las e potenciá-las. Se não conseguimos ser humanos com os humanos, como vamos querer humanizar os robôs? Mais dívida…
Lideranças que curam
Relembrei, recentemente, enquanto revia um filme antigo, uma frase que também se aplica na perfeição aos temas da liderança, que liga com o que acabo de introduzir e para cuja reflexão gostaria de vos convidar.
“A grandiosidade de uma pessoa reside na capacidade de curar, porque magoar é fácil e está ao alcance de todos.”
Efectivamente, magoar é fácil e está ao alcance de qualquer um, é o que lamentavelmente mais se vai vendo por aí. O papel de um líder é, também, e desenganem-se todos quantos não acreditam nisto, o de curador. Deve ser um verdadeiro alquimista organizacional, uma espécie de “Midas da Liderança”. Este é porventura um dos pináculos da humanização da liderança.
Precisamos de lideranças que curem, não daquelas que vamos vendo, destruidoras, dizimadoras, rudes e indiferentes. O papel do líder não diminui nem desmerece se for, e por ser, humano – que, neste caso, é como quem diz curador e cuidador.
A diferença está, e faz-se, na capacidade de curar, com tudo aquilo que implica e está associado a este acto de curar: ouvir, sentir, participar, ajudar… só cura quem sente, e só sente quem é emocional, logo, esta tarefa está reservada apenas ao alcance dos “Cisnes Negros da Liderança”. Pode parecer complicado, ou “desnecessário”, mas para mim este é outro dos básicos – até porque há muito quem precise de “cura”, mas muito poucos curadores. E eles próprios, na generalidade dos casos, são os primeiros a necessitar dessa mesma cura.
Continuamos a amontoar dívida… Contudo, atenção, ninguém disse que era fácil. Agora, que não subsistam dúvidas, não só é possível como é desejável – e eu acrescentaria que é inevitável. Mas vai ser precisa coragem. Vai ser preciso não ter medo:
Não ter medo da felicidade, nem de pessoas felizes a seu lado;
Não ter medo de novos líderes e até contribuir para a sua formação;
Não ter medo da comunicação (mas sim, e bastante, do silêncio);
Não ter medo das emoções;
Não ter medo da vulnerabilidade (nem confundi-la com fraqueza);
Não ter medo do respeito (e respeitá-lo);
Não ter medo de ser humano (e ser humano);
Não ter medo, nem vergonha, de dizer parabéns, bom trabalho, ou precisas de ajuda.
Publicado na RH Magazine, Agosto 2025